PUBLICIDADE

1.ª aluna de Engenharia Civil da USP São Carlos teve de desenhar barba e bigode

Evelyna precisou se disfarçar de homem para visitar obra na Europa nos anos 50

Por com Portal da USP
Atualização:

Havia apenas uma mulher na primeira turma do curso de Engenharia Civil da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), em 1957. Era Evelyna Bloem Souto, que hoje tem 86 anos e mora numa casa de repouso na capital paulista. Evelyna relembra com clareza e entusiasmo os momentos que viveu dentro da escola, especialmente aqueles em que a presença do sexo feminino destoava em meio aos engenheiros, profissão estritamente masculina na época.

 

PUBLICIDADE

Filha do primeiro diretor da EESC, Theodoreto de Arruda Souto, Evelyna iniciou sua graduação na Escola Politécnica (Poli) da USP, em São Paulo, e no terceiro ano de faculdade transferiu o curso para São Carlos.

 

Desde pequena admirava a profissão de seu pai. “Papai tinha um amigo chamado Camargo que sempre nos visitava. Quando ele chegava, eu ia para a sala e ficava ouvindo a discussão dos dois sobre engenharia. Queria essa profissão desde pequena”, conta.

 

Sua dedicação à engenharia sempre foi intensa. Como aluna, Evelyna participou de mais de 60 congressos por diversos países e constantemente recebia bolsas de estudos para desenvolver pesquisas em outras universidades - Harvard era uma delas. Após a graduação, continuou suas atividades acadêmicas até adquirir o título de PhD e ministrou aulas de Geotecnia na EESC até a aposentadoria.

 

Evelyna conta com orgulho os desafios que enfrentou na profissão por ser mulher. “A primeira bolsa que consegui foi em Paris. Eu e mais 10 alunos homens fomos visitar um túnel que estava sendo feito para ligar a França à Itália. Eu fiz questão de estar lá porque sabia que posteriormente teríamos de construir túneis no Brasil, mas não queriam que eu entrasse. Fizeram com o que eu me vestisse de homem, colocasse galochas, prendesse o cabelo e desenhasse barba e bigode no meu rosto. Só assim pude verificar as obras. Essa foi a maior prova de preconceito que sofri na época.”

 

Outra ocasião de preconceito vivida por Evelyna foi durante a criação do Departamento de Geologia e Mecânica dos Solos, que contou com a colaboração dela. “O presidente me fez assumir o papel de bibliotecária para que ninguém soubesse que eu era engenheira. Mas fui conquistando o meu espaço, e não demorou muito para eu virar chefe de tudo.”

 

Mas ser mulher também tinha suas regalias. Durante a visita do presidente da República Juscelino Kubitschek e do governador do Estado de São Paulo Jânio Quadros, ela foi incumbida de mostrar a EESC às autoridades. “A visita do presidente foi a melhor lembrança que tenho. Fui eu que mostrei a Escola de Engenharia para ele, que, muito curioso, fazia várias perguntas. Eu adorava respondê-las. Senti-me importante”, contou.

Publicidade

 

Evelyna participou de processos cruciais no desenvolvimento da escola – sua instalação, estruturação, consolidação -, contribuindo para que a instituição viesse a se tornar referência nacional na área de Engenharia, com reforços constantes no desenvolvimento da sociedade brasileira por meio da difusão de conhecimentos. A unidade completa 60 anos com a marca de 9 mil engenheiros formados.

 

“Essa instituição foi muito importante na minha vida. Espero que, assim como eu, todas as alunas de Engenharia possam ter a determinação que tive e passar por cima de todos os problemas que enfrentei”, afirma Evelyna.

 

Na turma de Engenharia Civil deste ano, as mulheres representam 23% dos alunos ingressantes.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.