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As barreiras à criatividade no ensino da Engenharia

A nova tendência no ensino de Engenharia, em que se valoriza aspectos que vão muito além do domínio da matemática e das ciências, está dando grande ênfase ao desenvolvimento da criatividade dos futuros engenheiros. Há muitos anos, Richard Felder já diagnosticava uma falta de sintonia entre as expectativas dos estudantes e a metodologia de ensino adotada na maioria das escolas de Engenharia.

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Por Roberto Lobo
Atualização:

J.F. DIORIO / ESTADÃO Foto: Estadão

Baseado no trabalho de Myers e Briggs (que introduziram, a partir de trabalhos de Jung, a teoria dos tipos de personalidade e que foram, posteriormente, introduzidos na educação para ajudar os processos de aprendizagem identificando o tipo psicológico dos estudantes e adaptando estratégias diferenciadas de ensino para cada tipo), Felder definiu que as formas de compreensão, a recepção da informação, o comportamento, o desenvolvimento dos conteúdos e a organização mental se caracterizam por cinco dimensões, cada uma com duas posições opostas, que se combinam, esquematicamente, desta forma:

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Sensorial / Intuitiva Visual / Verbal Ativa / Reflexiva Indutiva / Dedutiva Sequencial / Global

Qualquer professor experiente sente o quanto de verdade está expressa na análise completa de Richard Felder. No entanto, poucas são as instituições de ensino e professores que utilizam este tipo de análise para aperfeiçoar os processos de aprendizagem, adaptando-os às características dos estudantes, ou utilizando-os para a sua orientação profissional.

A questão é ainda mais relevante na Engenharia do que em outras áreas porque a tendência da maioria dos alunos de Engenharia, segundo Felder, é ser sensorial, visual, ativa, indutiva - e os melhores são geralmente globais -, enquanto os professores adotam um método de ensino de Engenharia intuitivo, verbal, reflexivo, dedutivo e sequencial. Nada mais contraditório... As tendências naturais dos estudantes de Engenharia deveriam facilitar o desenvolvimento de características de criatividade que acaba embotada pela metodologia adotada.

Em outro artigo, Felder analisa a criatividade e seu desenvolvimento nos estudantes. Com razão, afirma que a excelência acadêmica, em Engenharia ao menos, é sinônimo de habilidade para uma produção convergente: problemas com somente uma resposta correta, diferentemente do que acontece na prática da Engenharia e na vida em geral.

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Tanto a produção convergente quanto a divergente são necessárias para a solução de problemas tecnológicos complexos. Pensadores convergentes geralmente não descobrem soluções inovadoras quando os métodos tradicionais falham, enquanto o pensador divergente vai gerar muitas soluções, mas talvez venha a ter dificuldade para analisar e discriminar as boas das más soluções. Por isso, ambas as formas de pensar devem ser desenvolvidas nos estudantes.

Durante todo o curso, diz Felder, jamais o estudante ouve e discute temas que gerem efeitos/conclusões como:

1- Alguns problemas não tem uma solução única;2- Alguns problemas podem não ter solução;3- Problemas reais, diferentemente de problemas na faculdade, não vem embrulhados com a quantidade certa de informações necessárias à sua solução - alguns são supra definidos e outros sub definidos;4- Problemas reais são abertos, não possuem uma única solução correta, e as soluções encontradas podem não funcionar dependendo de parâmetros não levados em conta na proposta de solução; 5- Quanto mais soluções se pensa para um problema, mais provável é se chegar à melhor solução;6- Às vezes, a solução que inicialmente pareceu tola é a melhor;7- Estar errado não necessariamente significa um fracasso.

Quanto se ganharia estimulando a coragem de criar e inovar se essas visões fossem passadas aos estudantes!

Nesse mesmo sentido, dois professores da Universidade de Connecticut resolveram se debruçar sobre o tema da criatividade, analisando o que chamaram das barreiras à criatividade na educação em Engenharia, buscando comprovação experimental para algumas de suas teses.

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A Universidade de Connecticut se situa na faixa intermediária entre as 100 melhores universidades americanas e pode se comparar à média das melhores universidades brasileiras. Eles definiram dez características de uma educação que estimularia a criatividade.

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1- Manter a mente aberta - ver as coisas comuns sob nova luz;2- Ambiguidade é uma coisa boa - o período de desconforto entre o problema e a descoberta da solução é importante e esse trabalho árduo de reflexão, experimentação e coleta de informações metódicas é que levam à possibilidade de inovação;3- Estimular processos interativos que incluam a incubação de ideias - não apressar a solução, ter tempo de refletir, experimentar e amadurecer novas ideias e soluções e poder testá-las;4- Recompensar a criatividade - se a solução está previamente definida e somente a velocidade a alcançá-la é premiada, a criatividade e a possibilidade de inovação são bloqueadas;5- Liderar pelo exemplo - estudantes devem valorizar a criatividade por exemplos que inspirem, tanto historicamente como pela postura dos professores;6- Aprender a falhar - erros podem levar ao conhecimento mais profundo de um tópico e levar à inovação. Se o erro é tratado com intolerância, a tendência é que os estudantes não queiram mais arriscar e com isso se afastem do pensamento inovador;7- Encorajar o risco - Correr risco é uma característica comum às pessoas inovadoras. No entanto, essas pessoas são geralmente mais difíceis de lidar em uma sala de aula e, consequentemente, são punidos ou desmoralizados para enquadrá-las no comportamento submisso e passivo;8- Procurar múltiplas soluções - A criatividade é estimulada quando os estudantes olham além da resposta correta. Educadores podem estimular a procura de outras soluções para o mesmo problema, ou alterar alguns dados para encontrar novas soluções fora dos textos;9- Motivação interna - Os estudantes são mais criativos se motivados. Uma forma é a apresentação oral seguida de discussões abertas;10- Controle do aprendizado - Os estudantes revelam criatividade quando tem controle do processo de aprendizado, escolhendo seu próprio currículo, a forma de participação em projetos, mesmo que o custo da educação se eleve um pouco.

Os professores da Universidade de Connecticut apresentaram esse conjunto de temas a professores e estudantes da universidade, nas áreas de Engenharia, Ciências e Humanidades. Eles perguntaram se essas visões eram apresentadas, discutidas e incorporadas no processo educativo.

A estatística foi feita sobre respostas negativas, isto é, o que não era feito. Entre os professores, todas as áreas reconheceram que o item 10, controle do aprendizado, não era uma realidade em sua área.

Para os professores de Engenharia e Ciências, os itens 8 e 9 não eram tratados, para os professores de Engenharia também o item 2, Valor da ambiguidade, não era valorizado. Para os professores de Ciências, os temas 4 e 6, recompensa à criatividade e aprender a falhar, não faziam parte da metodologia de ensino. A situação, como geralmente acontece, era muito pior quando vista da perspectiva dos estudantes.

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Todos os estudantes afirmaram que os itens 2 e 6 não eram valorizados na sua formação: a ambiguidade e aprender a falhar. Não há surpresa nisso. Os professores são muito mais voltados a fazerem os estudantes alcançarem a resposta certa, e única, rapidamente, do que permitir explorações de outras soluções ou propostas que possam não conduzir a nada.

Tanto os alunos de Ciências quanto os de Engenharia afirmaram que os itens 4, 5, 7 e 10 não eram parte de sua educação. É de se destacar aqui o item 7, encorajar o risco. Como ser cientista ou engenheiro com um mínimo de inventividade se incentivarmos a aversão ao risco? Geralmente, as universidades de primeiríssima linha aceitam mais o risco, mas isso se deve não a uma metodologia de ensino, mas pelo reconhecimento da qualidade excepcional dos estudantes e de sua elevada autoestima.

Finalmente, os itens 1, 3 e 8 só foram diagnosticados pelos estudantes na Engenharia, sendo que consideram que em seu curso a barreira referente ao item 9, motivação interna, não existe. Ou seja, eles se acham motivados, apesar dos professores!

Ainda que sentimento dos estudantes de Engenharia possa ser exagerado, o importante é que eles sentem assim, diferentemente dos estudantes das outras áreas. Dirão os professores de Engenharia que isso se deve ao espírito mais crítico de seus estudantes. Mesmo que essa afirmação seja questionável, uma resposta como essa, típica do corpo docente de nossas escolas de Engenharia, são altamente imobilistas e são, elas mesmas, barreiras à criatividade.

As conclusões gerais a que os pesquisadores chegaram podem ser resumidas assim:

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1- Todos os estudantes valorizam a criatividade;2- A percepção dos estudantes quanto ao incentivo à criatividade por parte dos professores variaram: os de Engenharia definitivamente consideraram que os professores não incentivam a criatividade, os de Humanidades, ao contrário, acreditam que os professores valorizam a criatividade, enquanto os de Ciências se colocam em uma posição intermediária;3- Professores embora afirmem que valorizam a criatividade, somente nas Humanidades eles estimulam e reconhecem criatividade em seus estudantes. Nas Ciências e na Engenharia os professores não agem para valorizar a criatividade e consideram seus estudantes pouco criativos e pouco motivados para a criatividade.

Há claramente uma divergência profunda na forma com que professores e estudantes analisam o ensino de Engenharia, divergência já explicitada por Felder há muitos anos. Alunos de Ciências e principalmente de Engenharia são geralmente estudantes que se destacaram no ensino médio e cujo potencial para a criatividade certamente poderia ser melhor explorado. Esse problema não é americano, mas está presente em todas as universidades do mundo e, é claro, que o Brasil é um outro exemplo onde isso ocorre em quase todos os cursos. Difícil, sem dúvida, adotar esses conceitos que exigem profunda reformulação na forma de estruturar um curso e na postura dos professores. Mas é preciso tentar paulatina e deliberadamente mudar a forma de educar os futuros engenheiros.

Talvez, para isso, seja preciso que os gestores e professores comecem a mudar a si mesmos e à forma como enxergam o que fazem.

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