PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Blog dos Colégios

Opinião|O ensino contemporâneo de gramática e o texto

Atualização:
 Foto: Estadão

 

Em novembro de 2015, nos exames vestibulares da UNESP e da FUVEST, ao menos em algumas questões, os alunos encontraram dois modos bastante distintos de se avaliar o conhecimento de gramática.

PUBLICIDADE

Em uma das questões do primeiro, acerca de um texto de Luís Fernando Veríssimo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, cobrava-se a identificação da função sintática de dois termos. Assim, era necessário simplesmente apontar, entre as cinco alternativas, que os dois elementos destacados exerciam a função de sujeito, e não de objeto direto, predicativo do sujeito, objeto indireto ou complemento nominal.

Já na prova da FUVEST, utilizou-se o célebre poema "Confidências do Itabirano", de Carlos Drummond de Andrade, para, entre outros aspectos, o candidato mostrar qual expressão, na belíssima última estrofe - Tive ouro, tive gado, tive fazendas./ Hoje sou funcionário público./ Itabira é apenas uma fotografia na parede./ Mas como dói! -, justifica o emprego da conjunção Mas. Como opções, encontravam-se Hoje, funcionário público, apenas, fotografia e parede.

Note-se a diferença.

No primeiro caso, exigia-se que o vestibulando soubesse, tão somente, nomes de funções sintáticas e como identificar uma delas. Nada remetia à composição do texto, aos sentidos nele trabalhados ou às intenções de Veríssimo. Tratava-se de simples e tradicional(ista) análise sintática classificatória.

Publicidade

No segundo caso, a cobrança era muito outra, pois a gramática estava atrelada ao sentido do poema: antes de tudo, era preciso entender a relação de sentido estabelecida entre os dois últimos versos, que é de oposição, e, ainda, de quebra de uma expectativa, visto que o fato de Itabira, cidade-natal de Drummond, ter se tornado apenas um retrato poderia levar a crer se tratar de uma lembrança insignificante: fotografias, apenas fotografias, não provocam dor. Contudo, é justamente o fato de ser apenas uma imagem pendurada na parede - a infância diluída e dessubstanciada em longínqua memória - que traz o lamento ao eu-lírico. Com essa oposição entre a simplicidade da foto e o sofrimento causado, justifica-se o uso de Mas.

Observe-se que, somente depois de compreender a organização da passagem, o aluno poderia relacionar os dois termos em exame, sem precisar identificar a classificação da conjunção - adversativa - e sequer indicar que se tratava de uma conjunção, porquanto isso foi explicitado no próprio enunciado. Ainda assim, teria de ter compreendido plenamente o uso de Mas.

Em outras palavras, na questão da UNESP, o texto era mero pretexto para se cobrar gramática. Na da FUVEST, a gramática auxiliava a compreensão e a interpretação do texto. De um lado, havia uma visão limitada sobre o ensino de Língua Portuguesa; de outro, um viés moderno que verificava quem, utilizando-se de ferramentas gramaticais, seria capaz de compreender e interpretar um poema.

Com o projeto de Português do Colégio Pentágono, não há dúvida de que os alunos teriam condições de responder, com clareza, às duas questões. Contudo, na nossa visão - contemporânea como essa questão da FUVEST -, o ensino de gramática, ainda fundamental, só faz sentido se estiver vinculado ao aprimoramento da leitura e da escrita, competências realmente importantes para a vida de um cidadão.

Afinal, mais precioso do que identificar um sujeito ou um objeto direto - classificações estanques que se perderão com o tempo - é ler, compreender e interpretar Drummond, pois este, sim, ficará para sempre.

Publicidade

Por Bruno Alvarez, professor de Língua Portuguesa do Colégio Pentágono

Opinião por Colégio Pentágono
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.