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A educação que vale a pena

Uma sentença para mais da metade das crianças brasileiras

Somente com a formulação de políticas de Estado, e não de governo, conseguiremos reverter o quadro dramático da alfabetização infantil no país e melhorar a qualidade da nossa Educação

Por Ana Maria Diniz
Atualização:

Foram divulgados ontem, em Brasília, os resultados da terceira e última edição da ANA (Avaliação Nacional da Alfabetização), que mostram uma estagnação na capacidade de ensinarmos nossas crianças a ler, a escrever e a fazer contas básicas na idade certa - ou seja, até os 8 anos, segundo o MEC. A prova, que afere os níveis de alfabetização e letramento em língua portuguesa, em matemática e as condições do ensino no Ciclo de Alfabetização (do 1º ao 3º ano do Fundamental), constatou que, em 2016, permanecemos nos mesmos patamares de 2014 e muito aquém dos níveis minimamente aceitáveis nesses quesitos. Dos 2,3 milhões de alunos que cursaram o 3º ano em 49 mil escolas da rede pública no ano passado e que passaram pelo teste, 54,7% não obtiveram desempenho satisfatório em leitura, 54,4% não superaram os dois primeiros de quatro níveis básicos de aprendizado em matemática e 33,95% têm deficiências sérias em escrita. Em bom português, isso quer dizer que estes estudantes, depois de três, quatro anos de escola, não são capazes de localizar uma informação óbvia em um texto, de compreender enunciados simples, de fazer contas de adição e subtração ou resolver problemas com números acima de 20 ou de ler as horas em relógios analógicos. A criança que não consegue ler, escrever, contar e expressar ideias com firmeza até os 8 anos não avança. Vai mal em português, em matemática, em ciências. Sem conseguir participar das atividades, ela se distancia cada vez mais das aulas e perde o interesse pelos estudos. Quando chega no Fundamental 2 - se é que chega - está perdida, em todos os sentidos, e é muito difícil resgatá-la. É uma bola de neve. A situação é crítica e muito preocupante. Sem uma alfabetização efetiva esses alunos estão praticamente condenados a ter uma vida menor A alfabetização é um pré-requisito para outros aprendizados em todas as áreas do conhecimento, na escola e ao longo da vida, e para o exercício pleno da cidadania e para a realização profissional e pessoal. Esse quadro parece incompatível com o avanço consistente que obtivemos nos anos iniciais do ensino fundamental recentemente. Uma hipótese é que os índices divulgados ontem sinalizem que estamos perto de atingir um teto de melhorias nos resultados deste ciclo. Portanto, precisamos de atenção redobrada.  Os dados da ANA são considerados catastróficos para o país - afinal, as crianças são o nosso futuro! -, mas não são uma surpresa. Desde 2013, a questão deixou de ser prioritária e a a atuação pública no sentido de garantir que toda a criança se alfabetize até os 8 anos perdeu contundência. O compromisso com a alfabetização infantil tem de ser constante e o esforço para tornar esse processo efetivo e pleno, contínuo. A má alfabetização é a raiz de todas as outras distorções do nosso ensino. Se não vencermos essa batalha, jamais iremos vencer a guerra que nos impede de elevar a qualidade da nossa Educação a outro patamar. Nesse sentido, a formulação de políticas de Estado - e não de governo - que garantam que toda criança brasileira seja bem alfabetizada, é urgente. E, para viabilizá-las, é necessário não somente a elaboração de uma diretriz de política orientadora muito clara do MEC, mas também um pacto com Estados e municípios, onde, de fato, a Educação é executada. Por fim, é preciso envolver o professor alfabetizador e capacitá-lo para a função. Ontem mesmo, na tentativa de reverter essa realidade dramática, o governo anunciou a criação de uma nova Política Nacional de Alfabetização. O projeto engloba uma série de medidas e dispõe de um orçamento de 500 milhões de reais para melhorar a alfabetização infantil com a contratação de assistentes de alfabetização para atuar em sala de aula e reformulações na formação docente. As intenções do governo em melhorar a alfabetização infantil são louváveis. Mas temos de estar atentos, como sociedade, e cientes de que fazer isso acontecer depende da nossa supervisão e demanda constante. Enfim, o alerta está aí e o primeiro passo foi dado. Resta saber se, dessa vez, chegaremos ao fim do percurso.

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